Esses dias li um artigo fascinante de meu colega Paul Kremer no Linkedin que ajuda a esclarecer um tópico muito importante na indústria madeireira.  No artigo, Paul avalia os prós e os contras dos vários níveis de automação necessários pra colocar pra funcionar uma fábrica de CLT. Essa análise certeira é bem útil se a gente for pensar no que está acontecendo no exterior : uma verdadeira “corrida da madeira engenheirada” com mega usinas hiper automatizadas, prontas pra produzirem CLT.

Então Paul, eu te agradeço por deixar a seguinte questão surgir:

“Será que existem soluções alternativas a um mega investivento e que envolvam um nível de risco mais baixo e com maior acessibilidade de custos?”

A resposta está no mesmo artigo de Paul Kremer, e é sim. Então, já que existe eu me pergunto : “Por que devemos insistir em construir mais uma fábrica de CLT?”

A pergunta pode parecer sem sentido, ou provocativa e devo deixar claro que, se você ainda pretende construir uma fábrica de CLT, vai fundo. Existem soluções econômicas que podem torná-la conveniente.

Entretanto, essa pergunta não é totalmente sem sentido, especialmente se houver algumas considerações relacionadas a esse assunto e que tentarei explicar brevemente neste artigo.

O CLT representa apenas o “alicerce” de uma estrutura muito mais complexa e é fabricado através de um processo industrial com certo nível de automação. O projetista que fica a cargo de todo processo industrial precisa usar um SOFTWARE dedicado para comunicar e enviar os desenhos de fabricação (shop-drawings) diretamente para as máquinas de CNC da fábrica de CLT. Tudo isso envolve um projeto que foi desenvolvido, calculado e desenhado por uma equipe, ou uma empresa de engenharia estrutural com experiência COMPROVADA na área de Estruturas de Madeira.

Além disso, para definir uma estrutura, os painéis precisam ser unidos por componentes de união calculados e projetados precisamente por estes engenheiros e também receber uma série de camadas de membranas que os tornam isolados acusticamente, termicamente e à prova d´água.

Isso implica a presença de “players” adicionais na cadeia de fabricação do CLT.

Se as condições acima mencionadas não forem todas cumpridas, não obedeceríamos a uma regra fundamental inerente à essa metodologia construtiva que é a : “o que você desenha é o que você recebe”, muito bem explicado nos comentários pelo Eng. Franco Piva. É por isso que o CLT é o produto realmente definido como “madeira engenheirada”. Engenheirada por engenheiros mesmo.

Agora me permitam adicionar outro elemento crítico e bastante subestimado a essa cadeia de produção de CLT: a montagem.

Em poucas palavras, a construção da estrutura de madeira identifica uma série de membros integrantes dessa cadeia de suprimentos que, como resultado de um ambiente digital compartilhado, são cada vez mais independentes.

Talvez esse processo industrial, intrínseco desde o início do projeto até a entrega do edifício, represente a principal inovação da indústria da construção de Madeira Massiva.

Já o processo industrial – diferentemente do processo de construção convencional – é, por sua própria natureza, altamente eficiente e capaz de produzir com precisão milimétrica o que é exigido nos projetos e dentro dos prazos estabelecidos e acordados. Essa fase de fabricação, por si só, envolve uma série de restrições tecnológicas, logísticas e de tempo que alteram a cadeia de suprimentos tanto no início quanto no fim do processo construtivo.

Aqui está uma reprodução de um gráfico, do artigo (1): “ Insight in the Global Cross Laminated Timber Industry ” (1) como uma representação perfeita da cadeia de suprimentos CLT.

As restrições de uma fábrica de CLT

Uma fábrica que produz CLT tem um processo industrial peculiar: ela não fabrica produtos padronizados, nem trabalha com “fazer sob encomenda”, mas sim é focada no projeto. Cada pedido é simplesmente diferente dos outros.

Um gerenciamento altamente flexível desse processo é possível com máquinas de CNC equipadas com uma avançada programação digital “controlada” pela fase de cada projeto.

O design e a fabricação podem estar geograficamente distantes um do outro, pois o contato ocorre principalmente por meio de arquivos trocados pela internet.

Porém a fábrica de CLT também está restrita à:

Restrições de mercado

Durante a fase de planejamento da planta da fábrica, uma simulação do ponto de equilíbrio é feita para garantir a sobrevivência da fábrica. Uma lista de pendências é fornecida para garantir a continuidade durante o fluxo do processo.

A pergunta básica: “Será que temos equipe técnica e vendedores suficientemente competentes que podem nos fornecer esses dados com uma razoável garantia?” é perguntada repetidamente pelos investidores.

A disponibilidade da matéria-prima (madeira) no início da cadeira também é verificada para garantir um fornecimento consistente pra fábrica. Já o tipo de matéria-prima depende do grau de integração da fábrica.

A fábrica de CLT, porém é mais vantajosa se possuir uma floresta com fornecimento próprio. No caso de possuir uma floresta, se torna mais benéfico – quanto menor a integração, mais fraca a capacidade de lidar com a disponibilidade de matéria-prima a preços competitivos.

Uma análise cuidadosa dos recursos iniciais é, portanto altamente recomendável.

Restrições técnicas e de habilidades

Uma fábrica de CLT, baseada em sistemas de máquinas e robôs de controle numérico (CNC) não pode começar a funcionar se alguém não ativar um conjunto de informações ou uma rede digital que possa fazê-los se comunicar e funcionarem perfeitamente.

Como dissemos, uma das grandes vantagens inerentes ao CLT é o método de transferência de arquivos: da fase final de projetos (shop drawings) às máquinas CNC.

Somente aqueles com habilidades de engenharia e familiarizados com essas máquinas podem implementar e entender esse conjunto de informações. E isso exclui automaticamente todos os outros engenheiros estruturais que não são proficientes em madeira engenheirada ou que não possuem códigos de acesso digital ou softwares para transmitir essas informações pros robôs.

De um recente estudo sueco, surge uma escassa disponibilidade de habilidades técnicas no mercado de Estruturas de Madeiras Engenheiradas para arquitetos e engenheiros estruturais. (2)

Restrições de processo

Os critérios de sucesso de qualquer processo industrial são: desempenho e qualidade. A eficiência nada mais é do que a razão entre uma determinada saída e uma unidade de tempo. E é o fator de tempo que força qualquer componente da cadeia de suprimentos a cumprir condições impostas pelo processo industrial.

Atualmente a maioria dos fabricantes que seguem processos opera de acordo com as regras da “Fabricação Enxuta” (Lean Manufacturing), como uma aplicação direta do “Lean Thinking”, introduzido no início dos anos 1950 por Taiichi Ohno, da Toyota.

Portanto, espero que as futuras fábricas de CLT adotem este método.

Um dos mantras é evitar qualquer saída que gere “muda” (palavra japonesa que significa desperdício).

“Muda” é qualquer atividade, material ou investimento que, ao longo das fases de um processo, não produza nenhum valor agregado. “Muda” pode ser identificado como: desperdício de tempo, estoque de material, desperdício injustificável e, acima de tudo, capacidade de produção não saturada.

Então como evitar o “muda”?

Há mais de um método aplicável, mas para permanecermos no tema, o mais adequado ao nosso contexto é o chamado “método PULL”. O fluxo do processo é determinado pelo sua última fase (pelo tempo), que é a parte que “empurra” todo o processo. Portando, todas as fases anteriores precisam sincronizar com a última.

No caso de um fluxo desigual entre duas etapas intermediárias, podemos ter um excesso de semi-produto (não acabado) ou uma linha de produção parada. Se acontecerem os dois casos, é desperdício.

Ao considerar a fábrica de CLT como uma etapa intermediária entre toda a cadeia de suprimentos para a construção, o CLT não é o produto acabado, mas sim um semi-produto de um processo mais amplo, que é o de entregar um edifício acabado.

Nesse caso, torna-se inútil maximizar a produção de uma fase específica da cadeia.

A capacidade de produção deve ser proporcional a todos os outros elementos da cadeia de suprimentos, tendo como objetivo final o atendimento das expectativas do mercado em termos de entrega PONTUAL do edifício e obviamente a satisfação do cliente.

Qual o seu negócio afinal?

Não ter a mínima ideia de como funciona o mercado pode levar a interpretações erradas e decisões estratégicas também erradas.

Na década de 1930 e até o início da década de 1950, as empresas ferroviárias americanas criaram um regime de oligopólio no transporte de longas distâncias. Quando isso aconteceu, os próprios usuários finais sentiram a necessidade de ter um meio de transporte mais eficiente. As empresas não conseguiram ver a sua ineficiência, juntamente com os limites estruturais que a ferrovia implicava. Eles não prestaram muita atenção ao surgimento de um concorrente. Na verdade uma série de concorrentes – rodovias interestaduais, fabricantes de carros que forneciam carros mais confortáveis e mais rápidos, fabricantes de aviões e companhias aéreas – se desenvolveram para criar juntos, as condições ideais para uma gama melhor e mais dinâmica de meios de transporte.

As ferrovias americanas, concentradas apenas em aumentar sua participação no mercado, não conseguiram se reconhecer como um subconjunto de um mercado muito mais amplo.

Usei este exemplo para esclarecer que o CLT não é um mercado onde você vende o produto, mas é sim o mesmo velho mercado de construção, e que deve ser visto com novos olhos.

Estas considerações me levaram a fazer mais algumas perguntas:

Por que nos Estados Unidos e no Canadá há uma corrida para instalar fábricas de CLT com alta capacidade produtiva sendo que na realidade não parece haver uma demanda real justificável?

Por que, apesar dessa alta capacidade de produção, o preço do produto CLT na Europa ainda é mais baixo?

Por quanto tempo o CLT vai ser a estrutura “ideal” pra construção?

A variável, independente da velocidade tecnológica, não parece permitir muita longevidade…

Será que temos absoluta certeza de que de agora até a obsolescência tecnológica do CLT as fábricas terão tido um retorno positivo pra quem investiu?

Economias de Escala ou Economias de Habilidades?

Concordo com Paul Kremer e com suas críticas implícitas a respeito de pessoas (muito ricas) que não se importam de investir quantias enormes para subir o mais rápido possível as paredes do mercado, do qual o topo ainda não é visível.

Às vezes, as pessoas querem buscar economias de escala de todos os modos, sem respeitar os ritmos fisiológicos de uma empresa e talvez pensem que a automação de cada fase do processo é a única solução para chegar ao topo mais rapidamente. Quanto mais você tenta automatizar, mais variáveis insere. Então mais complicado se torna o controle do processo todo. Portanto, as economias de escala se tornam “deseconomias” de escala e o “muda” (desperdício) reinará supremo.

Eu acredito que as economias de “escala” devem se opor às economias de “habilidades”. Mas isso é outra história.

Então, mais uma vez: Pra que construir mais uma fábrica de CLT?

Será que não era mais conveniente comprar uma capacidade de produção já existente no mercado, sem ter que arcar com os custos fixos que uma fábrica deve suportar?

Isso certamente aparecerá como uma solução temporária, mas talvez determine uma abordagem mais abrangente dentro de um setor que não precisa mais de bolhas especulativas.

(1) Society of Wood Science and Technology: Insights into the Global CrossLaminated Timber Industry – Dec. 2017 Lech Muszynski ´ 1 *, Eric Hansen 1 , Shanuka Fernando 1 , Gabriel Schwarzmann 1 , and Jasmin Rainer 2 1 Department of Wood Science and    Engineering, College of Forestry, Oregon State University, 119 Richardson Hall, Corvallis, OR 97331.

(2) Roos, A., Woxblom, L. & McCluskey, D. 2010. The influence of architects and structural engineers on timber in construction – perceptions and roles. Silva Fennica 44(5): 871–884

Texto original do Eng. Eugenio Bin : https://innovhousing.net/blog/2020/02/18/a-few-questions-about-the-clt-industrial-process/?preview=true

Tradução : Eng. Alan Dias